segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Seleção Artificial

“... Feia!... Feia!... Feia!... Feia!... Bonita!... Feia!... Bonita!... Feia!... Feia!... Feia! ... Feia! ...” – Assim mecanicamente gritava o selecionador, entediado como sempre, sentado num desconfortável trono de madeira, enquanto afagava a sua longa e grisalha barba.

As selecionadas, as bonitas, sorridentes e satisfeitas por terem sido escolhidas, imediatamente entravam na gigantesca máquina por uma portinhola. E, em questão de minutos, ouvia-se o estrondo, o ritmo das engrenagens se acelerava, jatos de vapor e fumaça saíam pelos canos de descarga, e a energia então voltava a ser de cem por cento. Mas só durante uma ou duas horas, dependendo do grau de beleza, quando então, finda a energia, todas as lâmpadas voltavam a exibir aquela fraca luminosidade quase âmbar, até que outra das bonitas entrasse na máquina, repetindo todo o processo. Mas, há um bom tempo, a escolha de beldades rarefazia-se. 

E, no gigantesco pavilhão para onde eram destinadas as rejeitadas, uma imensidão delas aguardava novas ordens, até que dois dos encarregados pelo encaminhamento, não se contendo mais, tomados pelo desânimo e pela dúvida sobre o que fazer, abriram discussão:

“O selecionador já está velho e muito exigente. O que iremos fazer se ele raramente acha alguma delas bonita?” – Questionou inconformado, o mais jovem. Até que o mais experiente, num breve átimo de bom senso, teve uma idéia que achou brilhante. 

“Vamos reencaminhar as rejeitadas!” – Disse bastante decidido.

“Mas o selecionador irá devolver tudo de novo! Não adianta!” – Retrucou o mais jovem, ainda desanimado.

“Não! Não, se nós dermos um bom trato em cada uma delas. Elas não são ruins de todo. Veja. Analise. Por que toda essa nudez? Por que não as vestimos, com umas roupas mais sensuais que ressaltem o desenho do corpo, caprichamos nuns penteados, mais fashion, e, no rosto, maquiagem, muuuuita maquiagem? Hein?! Hein?!” 

E assim, reencaminhadas, as rejeitadas ficaram e estavam irreconhecíveis. E o velho selecionador, com um brilho diferente nos olhos, mas ainda muito babão, mudou radicalmente o discurso:

“... Bonita!... Bonita!... Bonita!... Bonita!... Lin-da!... Feia!... Bonita!... Ma-ra-vi-lho-sa!... Bonita!...”

E, desde então, com a máquina sempre em pleno funcionamento, nunca mais houve queda de tensão. Mas, apesar dos esforços, ainda assim sobravam algumas poucas rejeitadas, às quais, infelizmente, não houve outro destino: a reprodução sexuada.

Consequentemente, estas, muito a contragosto, tiveram que se submeter, tendo que copular com os então chamados reprodutores: uns homens esquisitos, altos, fortes, corpos atléticos, sempre seminus a exibirem orgulhosos suas destacadas barrigas-tanquinho. E, entre elas, completamente resignadas, tornou-se comum ouvir uma expressão, sempre repetida: “...Fa-zer-o-quê?! ...Fa-zer-o-quê?!”.



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