segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Capítulo 43, cena 2.


O homem calvo que atirava pedras a esmo estava de mãos vazias e mantinha as palmas das mãos viradas para o céu. Com um dorso nu amorenado, tinha as pernas das calças arregaçadas até a altura dos joelhos. Apesar de ele não demonstrar que estava prestando muita atenção no tempo, nuvens cinzentas prenunciavam algo iminente.

Num lindo vestido branco de renda, Maria Alice esboçava um sorriso tímido e forçado e não chorava mais, mas no rosto e nos olhos ainda exibia marcas de tristeza. Sentada num dos degraus da escada da igreja, mantinha as mãos espalmadas juntas e presas entre os joelhos. Ela olhava para o homem que atirava pedras a esmo, mas ele parecia ignorá-la.

O menino, que observava tudo curiosamente, tinha o rosto sujo de barro, estava descalço e guardava as mãos nos bolsos de trás da sua bermuda de sarja cáqui junto com o bodoque de forquilha de goiabeira com as tiras de borracha de câmara de pneu de bicicleta enroladas em volta das extremidades da forquilha. Seus olhos mantinham-se fixos em Maria Alice.

O estranho homem de roupa branca e óculos escuros, que parava o tempo com estalos de dedos, exibia um sorriso suspeito de canto de boca e me olhava como se quisesse dizer algo. Na porta da igreja, ele mantinha erguido o braço direito cuja mão estalava os dedos entre o anelar e o polegar.

O último estalo de dedo ficou ecoando durante um bom tempo dentro da igreja e os pingos de chuva começaram antes do último eco.  A chuva engrossava aos poucos e ia borrando a tinta ainda fresca.

O cheiro de terra molhada misturava-se ao da tinta acrílica. E muito antes de o homem que atirava pedras a esmo, Maria Alice e o estranho homem de roupa branca e óculos escuros se desfigurarem, o menino que observava tudo curiosamente correu, fugindo da chuva. Na fuga o bodoque caiu no chão enlameado, quando o menino tirara as mãos dos bolsos de trás da sua bermuda de sarja cáqui.

O menino parou de correr e voltou para apanhar o bodoque, foi então que ele olhou para mim e sorriu. A chuva começava a nos desfigurar simultaneamente… Não doía. Nada. E tudo ia ficando branco, branco, branco...

Era o encerramento do Capítulo 43, cena 2, sem diálogos.



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